sábado, 27 de fevereiro de 2021

O EXERCÍCIO MENTAL DOS CORPOS DE BARRO


A graduação de cores que você enxerga começa a diminuir. Você vai enxergando cada vez menos cores... tudo que é amarelo, vermelho, marrom, laranja... parece ser da mesma cor. Em algum momento, parece que você só enxerga um gradiente de cinza, entre claridade e escuridão.

Agora você não enxerga mais as cores. E agora, pense em cada objeto que você enxerga.

Imagine que tudo que você enxerga começa a perder o sentido. Seus olhos começam a deixar de perceber as nuances entre cada objeto. E o significado de cada objeto começa a se esvaziar em sua mente. A parede, a janela, a mesa e a cadeira, começam a parecer a mesma coisa. Todos os objetos parecem ser feitos da mesma coisa.

Depois, você enxerga algum animal. Um cachorro, um gato. Você enxerga suas próprias mãos. Você enxerga a areia, a terra no chão. E tudo começa a parecer feito do mesmo material que todos os objetos que você enxergava.

Não há mais cores. Objetos, plantas, animais, e seu próprio corpo, todos parecem ser apenas BARRO.

Esvaziando sua mente dos signos, dos significados, dos símbolos, da semiótica, só resta barro. Barro inerte no solo, e barro animado dos animais.

Mas você não perdeu a consciência. Você perdeu a visão que sempre teve sobre tudo, mas agora você começa a formar um novo entendimento sobre tudo.

De repente, você começa a perceber que no barro que forma tudo há padrões. Você começa a perceber, de alguma forma inexplicável, os átomos que compõe tudo. Você sente cada elemento químico.

Você percebe o carbono naquilo que algum dia você relacionou a uma ideia de cadeira, parede e janela. Você percebe o carbono naquilo que você chamava de planta, animal, e naquilo que você chamava de corpo.

Agora, você só enxerga os elementos químicos, os átomos.

TUDO PARECE SER BARRO.

Você enxerga apenas tons de cinza, o discernimento sobre os objetos que você aprendeu ao longo da vida não existe mais. Você enxerga a luz sendo refletida no barro, gerando uma graduação de entre claridade e escuridão. Mas as cores desaparecem. Essa graduação é apenas como o branco, os tons de cinza e o preto.

Você percebe os átomos da matéria. E você começa a perceber que existe barro que parece móvel e desorganizado. Mas existe barro imóvel e organizado, e até mesmo barro que tem movimento e é organizado.

Você começa a perceber que, olhando para baixo, em direção ao centro do planeta, aquilo que antes você chamava de chão, parece ser matéria densa e dissolvida. E há coágulos organizados. Você não tem mais a abstração sobre o que seriam células, bactérias, mas você sente isso. Você sente que o carbono, o nitrogênio, o oxigênio, estão organizados de forma muito complexa.

Você conhece bolhas compostas por carbono, nitrogênio, hidrogênio, oxigênio. E você ainda consegue sentir e diferenciar a água, algo que parece essencial. Você percebe que estas bolhas carbônicas carregam água. E essa água carrega potássio, magnésio, sódio, cálcio, ferro...

Você percebe que há barro desorganizado e dissolvido, e há barro organizado e coagulado. Você percebe que no universo a matéria solve e coagula.

Você começa a perceber o fenômeno do fogo. Reações entre os átomos que parecem liberar energia. Energia na forma de calor. Exotérmicas. Você não lembra mais da fogueira, que queimava um combustível carbônico na presença de oxigênio, oxidando o carbono em dióxido de carbono e os metais em cinzas. Mas você sente isso nos coágulos de barro organizado.

Você percebe as bolhas de terra, carbono. Você percebe que elas contém água. Você percebe que elas tem reações de produção de energia, muitas vezes energia térmica, calor.

E algo está dissolvido acima do solo. Você sente aquilo que um dia você chamou de ar, vento. Você compreende como matéria menos densa. Átomos mais leves. Gases. Seus núcleos estão menos próximos um do outro. Eles dificilmente estão organizados. E esses gases interagem com o barro organizado que contém água e gera fogo.

Você enxergou o universo dissolvido, sem formas, sem símbolos.

Você enxergou o universo se coagulando, de forma organizada.

Você enxergou que essa organização de matéria densa é a terra, misturada com água, como o barro.

Você enxergou que o barro, terra e água, interage com os gases do ar, e gera fogo. O fogo do metabolismo. A chama da vida.

Você conheceu os 4 elementos. E você é o observador deste universo. Você tem a alma que se separou do universo, mas que segue sendo o universo. O universo olhando para si mesmo. É sua alma. O quinto elemento. Que reside no inexplicável Éter.

Você enxergou Terra, Água, Ar, Fogo, Éter.

E estas 5 grandezas parecem formas os 5 novos símbolos da sua mente. Você imagina algo bidimensional. Um círculo. E na volta deste círculo existem 5 pontos, representando cada um destes novos símbolos que você identificou no universo, que representam 5 aspectos da matéria coagulada e organizada, aquilo que poderiam chamar de vida.

Você une estes pontos do círculo, imaginando um pentágono e ao centro uma estrela de 5 pontas. Você visualizou um pentagrama.

AGORA RETORNE À SUA REALIDADE!

Você enxergou o universo em tudo, solvido e coagulado. A vida com seus 5 aspectos, formando uma estrela bidimensional.

sábado, 20 de fevereiro de 2021

A VIDA INSISTE


A cada novo dia, desperto com a luz do sol na janela. Matutino, ouço o cantar dos pássaros e observo as plantas crescendo - insistindo em crescer, nas frestas entre-concretos urbanos.
O antigo riacho tornou-se valão. Aquela água que beberam agora é esgoto. Na terra jaz uma viga metálica que sustenta caixas-moradias humanas.
O consumo artificial gera lixo artificial, e a vida, sob artifício humano, tem sua lógica modificada. Roedores selvagens dão lugar a ratazanas de esgoto. Pombas e Pardais convivem com aves selvagens. Gatos trazidos para cá, abandonados à própria sorte em praças, simbolizam o antigo Egito civilizatório pré-colonização-europeia.
Nesta vida, neste corpo, nesta era, Eu enxergo humanos-excluídos, ratazanas e lixeiros, disputando o lixo de humanos-incluídos. Há coisas que seguem quase iguais.
- Mas o sol segue brilhando. O vento segue vivo, e em tempestades ele segue cantando. A chuva segue caindo - talvez mais tóxica que outrora. A vida segue. A vida insiste em viver! -
Eu enxerguei Osíris em minha mente. Minha mente que mente. Mente muito, por sinal. Mentiras-ou-verdades me conectam com Deuses. E o Deus-dos-Mortos está presente em minhas visões.
Osíris mostra que a ganância e a inveja humana profanaram seu corpo - aprisionaram, cortaram. Agora ele observa os humanos estando em seu sub-mundo, aguardando cada um morrer para avaliar corações. A natureza violentada na vida, ainda existirá após a morte.
Você não acredita em mitologia? É cético ou Ateu? Não tem problema! Os vermes estão aí para todos! Carnes e Ossos serão um banquete ao submundo! Daquele que veste e se reveste restará apenas memória, após putrefar e ser engolido por vermes. E que memória restará após sua morte?
Converso com os Deuses. Eles me chamam nos meus sonhos. Pode ser loucura. Podem ser arquétipos, desce inconsciente coletivo da humanidade. Sinceramente, não me pré-ocupo em responder isso.
Agora, meu papo tem sido com Osíris e Obaluayê.
Deuses da morte e e observadores da pestilência, despertos num mundo cinza, concreto, metálico. A terra coagulada em fogo, que gera o metal. O carbono queimado em fogo, que gera movimento. Observamos uma roda-da-morte girando rapidamente.
Estes Deuses colocam um filme para eu assistir. E neste filme...
Eu enxergo um enorme e antigo teatro humano. Os atores mudam seus figurinos conforme as eras. Os objetos em cena sinalizam a era tecnológica, cada dia mais des-envolvida da natureza.
Mas o drama segue igual. Chicotes, venenos, hipnóse-por-símbolos. Uma grande massa de mortos-vivos que facilmente repete discursos sem pensar.
Após sonhar com Deuses-da-Morte, eu desperto novamente.
Os raios de sol atravessam o vidro da minha janela. O vento balança os ramos das minhas folhagens. Os pássaros insistem em cantar.
Eu sei que todo o Drama humano faz parte de um grande espetáculo universal, e que nosso sofrimento coletivo um dia terminará. Neste mundo, por muitas eras, ainda haverá vida e morte. E é no sub-mundo que eu ainda consigo ter alguma esperança de justiça.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2021

A IGNORÂNCIA ARROGANTE


De um lado os que tudo sabem, navegando em suas pseudo-verdades.
Do outro lado, os que tudo julgam, limitando contextos em indivíduos.
Os que não vivenciam, mas menosprezam a experiência de quem vive.
E os que vivem, mas não entendem sua própria experiência.
O outro torna-se objeto a ser julgado.
O "eu" torna-se o centro.
O caminho ao "todo" é completamente ignorado ou menosprezado.
Já venceu, o pensamento divisionista.
Já venceram, os que dizem saber mais, mas sem nunca estudar.
Já venceram, os ternos-e-gravatas cobrindo pessoas vazias.
Já venceram a aparência, a arrogância, e o desprezo pela humildade.
Regozijam-se os tolos. Impõe-se com gritos. Insultam o alheio sem entender, e desta forma se sentem superiores.
E diante disso, conquistam o espaço público da fala. Verborragias rasas. Egos expandidos. Divididos na normalidade da ignorância.

ARMAS E MASCUNILIDADE


O que é "ser homem"?
Ser um pai? Um provedor? Ter um bom salário e sustentar mulher e filhos?
Ser "macho"? Ser agressivo e "não levar desaforo para casa"? Defender seu patrimônio?
Ter um pênis grande, grosso, comprido e duro?
Transar como um animal?
Ter poder político e social? Estar em algum clube?
Comer carne e desvalorizar a vida do animal morto?
Ser insensível diante da tristeza? Nunca chorar?
E se alguma dessas características falhar? E se o sujeito, que quer "ser homem, que buscar "ser homem", sente que está sendo "menos homem"?
Ele pode ficar triste... mas tristeza, depressão, angústia... isso é "coisa de veado". E homem não é veado.
Então, estando frustrado, estando triste, mas não podendo demonstrar isso, resta a RAIVA. A tristeza da frustração se manifesta em raiva. Destruição. E os alvos podem ser ensinados por quem manipule esses homens frustrados.
Compram um PINTO-DE-METAL. Um CANO. Um FERRO. Que ejacula projéteis. Que se impõe com metal quente e veloz.
É a mascunilidade explosiva.
É o fazendeiro brega, de mal gosto, frustrado, em sua camionete importada, que odeia índios e agricultores pobres.
É o cidadão-de-bem de classe média, meio brocha, meio cansado de ser explorado, mas que não entende nada sobre sua condição de classe.
É o jovem homem, de 20 e poucos anos, de classe média ou classe rica, que é rejeitado socialmente por qualquer motivo, e ao invés de procurar ajuda psicológica e humildemente reconhecer eventuais erros, prefere se impor pela agressividade.
É o trabalhador que não suporta mais ser explorado por um sistema enorme, que ele não entende. Ele apenas enxerga o favelado assaltando o seu carro, e ele deseja reagir com violência.
Essas pessoas, circulando nas ruas, podendo legalmente portar duas armas. Alguns, entusiastas, poderão ter arsenais de 60 armas. E poderão comprar mais de 5000 cartuchos de munição.
Nenhum deles reflete sobre classe social. Sobre desigualdade social. Sobre sua ideia ilusória de mascunilidade. Tudo isso já está normalizado.
A solução, diante de tamanha ignorância e agressividade, é matar.

A DINÂMICA SOCIAL DAS PESSOAS BONITAS


Ser considerada uma "Pessoa Bonita" abre portas. As pessoas bonitas recebem mais oportunidades na sociedade. São motivo de admiração ou de inveja, mas sempre são percebidas.
Dentre as "ferramentas abstratas" (capitais subjetivos) que alguém pode carregar, a beleza pode ser algo que muitas vezes está presente desde a infância. Ao contrário de habilidades e estudos, que exigem prática e constância, a beleza está ali... a beleza é inerte, constante, e constitui valorização do sujeito-social.
Sendo algo que "vem fácil" (muitas vezes apenas por acaso genético, e/ou por condições sócio-econômicas que oferecem uma saúde melhor), muitas vezes sendo algo que está ali, sem haver mérito, muita gente usa essa moeda-de-troca sem nenhuma responsabilidade sobre seus atos.
Muitas pessoas bonitas usam sua beleza como uma chave, que abre portas, sem se preocupar se tem mérito ou não.
Muitas pessoas bonitas trabalham com vendas, com comércio, e seduzem clientes sem nenhum pudor.
A prostituição, dentre as possibilidades de trabalho de uma pessoa bonita, é muito mais Honesta e Direta do que as possíveis manipulações que outras pessoas bonitas podem fazer.
Ser uma pessoa socialmente considerada bonita, e utilizar isso com responsabilidade, dando exemplos de atitudes altruístas, é algo que parece raro.
Muitas pessoas bonitas estão em festas de carnaval. Festejam a cor dos seus olhos, festejam as roupas caras que suas heranças compraram desde que nasceram. Muitas pessoas bonitas, simplesmente por serem bonitas (e neste sentido não tem culpa/responsabilidade alguma), são objeto de admiração social, enquanto as "pessoas feias" recebem todo o oposto.
O que constitui "feiura"? Magreza ou Obesidade? Doenças e deformidades físicas? Falta de dinheiro para comprar roupas e acessórios?
Hoje, muitas horas de academia e dieta, e dinheiro para roupas e cirurgias plásticas, podem comprar a beleza. A beleza é um capital. Uma ferramenta. Uma máquina-da-imagem. A ser comprada. A ser valorizada.
Se antes, em nosso inconsciente coletivo, a beleza simbolizava a saúde humana, agora ela pode ser apenas um conjunto de penduricalhos.
A beleza dos dentes bonitos. De quem tem ossos bem formados, ortodontia desde pequeno. Saúde bucal e escovas de dentes.
O perfume com cheiro de marca. O carro do ano. O celular mais caro.
A beleza tem sido uma ferramenta de preconceitos. Uma forma de separar as pessoas. Em geral, sem nenhuma relação com mérito. Sem nenhuma relação com esforço.
A beleza, na sociedade racista, são os olhos azuis. Na sociedade da comida industrializada, é o corpo sarado. Na desigualdade, é a riqueza.
E nesses jogos comparativos, a beleza das pessoas com beleza, sendo admirada pelo público, concomitante ao desprezo pelas pessoas consideradas feias, gera depressão, angústia.
A beleza faz um "terapeuta quântico de cristais" ser mais famoso do que um bom profissional de saúde.
A beleza faz um "vendedor de imóveis usando terno-e-gravata" ser mais valorizado que o pedreiro de pele enrugada e sem alguns dentes.
A beleza vende. A beleza despreza. A beleza enaltece e machuca. Buscamos ela, mas se refletimos sobre isso, percebemos a vileza inerente dessa busca. A vontade de ser uma Pessoa Bonita para não ser uma Pessoa Feia.
Pessoas feias que sofram... Para que se importar? Busquemos beleza individual. Compre, compre, compre. Esqueça a miséria e a desigualdade. Apenas compre tudo aquilo que te faz ser uma pessoa bonita.
O OUTRO LADO DA BELEZA
Há um lado cruel da Beleza que somente as mulheres sentem: a objetificação de seus corpos.
Sem querer seduzir, sem querer atrair, uma mulher bonita muitas vezes recebe assédios dos mais variados. Violências. Se de um lado a beleza abre portas, do outro lado essa realidade "cobra seu preço"...
Há muitos empregos onde mulheres bonitas são preteridas nas seleções para preencher as vagas de trabalho. Mas logo ao entrar na organização em questão, passam a sofrer diferentes formas de assédio moral ou sexual.
E não, eu enquanto homem nem lembrei disso na hora de escrever meu texto anterior. Eu nunca passei por isso. Nunca fui objetificado.
Mesmo que eu tenha criticado o fato de haver tantas pessoas que são valorizadas simplesmente por serem bonitas, e muitas vezes serem egoístas e irresponsáveis, a "valorização da pessoa considerada socialmente bonita" traz problemas também.
Nem toda mulher deseja ser valorizada pela sua beleza, pois fica evidente que isso muitas vezes se sobrepõe ao esforço que ela tem em sua profissão. Quantas mulheres consideradas bonitas, mesmo se esforçando em sua profissão, são reduzidas a apenas "um rostinho bonito"?
Nisso a crítica extrapola a questão estética... aí entramos numa crítica sobre uma estrutura social vigente. O patriarcado e o machismo, que são bases da nossa sociedade.
E eu, enquanto homem, não me sinto apto a debater muito sobre esse assunto. E justamente por isso não comentei isso antes - pois nem havia percebido esse ponto.